Reviews Habitation

A Phonogram Unit é uma editora gerida por um coletivo de músicos (José Lencastre, Hernâni Faustino, Vasco Furtado, Jorge Nuno e Rodrigo Pinheiro) que pretende editar de acordo com as condições e tempos por si definidos, liberta das grilhetas impostas pelos convencionalismos da “indústria”. Sem qualquer ingerência ou limitação ao processo criativo e de distribuição, a editora visa cobrir um território estético de complexo mapeamento, que abrange as áreas das músicas improvisada, eletroacústica e experimental.

E eis que o selo frutifica pela segunda vez. “Habitation” é o registo de estreia do No Nation Trio, grupo que representa dois quintos do núcleo duro, o guitarrista Jorge Nuno e o contrabaixista Hernâni Faustino, a que se junta o baterista e percussionista João Valinho, todos nomes relevantes da efervescente cena lisboeta das músicas criativas.

Jorge Nuno tem-se destacado pelo trabalho que vem desenvolvendo nos Signs of the Silhouette e nos Dead Vortex, numa matriz de alta voltagem e forte travo psicadélico, mas que também se deixa atrair pelos domínios incertos da improvisação, experimentada em projetos como Uivo Zebra (com Faustino no baixo elétrico e João Sousa na bateria). Nuno reitera aqui a aposta numa vertente acústica, tal como aliás já havia feito em “ākāśa”, registo deste ano com os mesmos Sousa e Faustino, a que se junta o saxofonista José Lencastre (também em percussão e voz).

Faustino movimenta-se há muito no circuito do jazz de vanguarda e da música livremente improvisada, marcando indelével presença em inúmeros projetos (com o RED trio à cabeça) que se estendem do noise ao reducionismo, passando pelo pós-bop, pelo free jazz e por outras vertentes. João Valinho é um jovem músico em ascensão, adquirindo proeminência em diversas formações, sendo exemplo as que integra com o mesmo Lencastre (escute-se cuidadosamente a sua contribuição para o notável “Anthropic Neglect”, acabado de sair na Clean Feed e já recenseado na jazz.pt pela pena sempre certeira do Gonçalo Falcão) e com Ernesto Rodrigues, Miguel Mira, Maria do Mar, Helena Espvall, João Almeida ou Mariana Dionísio.

Se no trio Uivo Zebra o volume tem uma importância central, outras possibilidades se começaram a vislumbrar na cumplicidade entre guitarrista e baixista. «Um dia desafiei o Jorge para fazermos um trio completamente acústico e sem recurso a qualquer tipo de efeitos, apenas um contrabaixo e uma guitarra acústica. O desafio era improvisar e tentar aguentar as matérias e motivos que surgiam e transformá-los abordando este processo de uma forma “micro” durante a nossa improvisação», revela-nos Faustino. Não demorou o convite a João Valinho para se lhes juntar, «porque achamos que ele era um polo importante, dadas as suas valências como músico criativo, sendo o baterista/percussionista ideal para tocar connosco», acrescenta o contrabaixista.

Quando o SARS-CoV-2 já andava por aí a preparar-se para virar as nossas vidas do avesso, o trio entrou no estúdio Namouche, para com Joaquim Monte (nome decisivo para o resultado final de tantas e tantas gravações) registar uma música em que nos é possível descortinar os mais subtis pormenores. A instrumentação é “clássica” – uma guitarra acústica, um contrabaixo, percussões diversas – e os três improvisadores trazem consigo os seus arsenais de referências, mas jamais se enquistam neles.

Constituem “Habitation” quatro peças/partes totalmente improvisadas, “Untitled” (I-IV), como que “andamentos” de uma suíte única, nos quais o trio explora os recantos desta geometria pitagórica, simples apenas no contingente, mas muito propensa a interações e desafios tão próximos quanto livres. Nas palavras do baterista e percussionista, a agregar conceptualmente estas partes está a «ideia de exploração de um território em que não há as limitações artificiais da soberania, do estado, do mapa. Daqui advém não apenas o título do álbum, em que se concebe a habitação como toda a Terra, mas também o do projeto.»

A música que nos é dada a escutar ergue-se a partir de estímulos e entrosamentos, proações e reações, num laborioso tricotar de ideias em que tanto pesa o som orgânico dos instrumentos como o silêncio que se insinua nos seus interstícios. Avulta a forma inteligente como o trio burila pequenos motivos que gradualmente vão ganhando corpo ou, noutros momentos, assume situações onde a repetição é processo fundamental para o desenvolvimento das estruturas e a injeção de tensão nas improvisações. «Funcionamos com uma abordagem de construção e desenvolvimento paulatino das ideias musicais, numa espécie de união em massa, com toda a variação que a improvisação livre permite. Mais do que combinado, foi algo que foi surgindo e que se discutiu através do trabalho continuado», diz-nos ainda João Valinho.

“Untitled I” revela, desde logo, o gosto pela utilização completa das respetivas alfaias: Nuno a esfregar e percutir cordas, Faustino a assumir-se como trave mestra, Valinho a fazer criterioso uso dos diversos elementos que constituem o seu “kit”. Segue-se “Untitled II” com as cordas da guitarra acústica atacadas de diversas formas, as ruminações de Faustino (em pizzicato e recorrendo ao arco para espessar a atmosfera) e a percussão sempre fecunda em detalhes. “Untitled III”, a peça mais extensa do disco, começa por continuar a trabalhar motivos que vão fluindo naturalmente e sem pressas, ganhando a espaços outra intensidade. Faustino e Valinho introduzem “Untitled IV”, que evolui adquirindo uma dimensão onírica, com a guitarra em dada passagem a soar como se de uma harpa se tratasse.

“Habitation” é um disco deveras interessante e cuja riqueza reclama vagar para se fruir na plenitude. António Branco, Jazz.pt

 

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If Lencastre is a significant surprise in the step from Anthropic Neglect to Vento, a bigger surprise yet awaits. Habitation by the No Nation Trio presents Jorge Nuno, a guitarist one might have thought could live by his pedal board alone, playing acoustic guitar in a trio with Hernâni Faustino and Anthropic drummer João Valinho. The trio is quietist, almost pietistic, as if the wood of guitar, bass and drum rims might bear direct connection with the woodland on the cover; subdued rhythms are everywhere in this music, lapping at one another and overlapping, Nuno can stick to a simple rhythmic insistence or wander delicately afield, almost quixotically; a bowed bass sounds like a rooting woodland animal, while the percussion might be played at times by precipitation. “Untitled 3” is sustained by bowed bass and bowed cymbals, its gradually increasing volume a suggestion that the listener might be getting closer to the heart of the music. There’s everywhere a naturalness here, a kind of beatific absence of intent, a new music that gives the impression of having been here all along, simply calling on a more detailed listening to tunings, light abrasions and abstracted fingerboard dreamings, sustained chordings that are mild insistence rather than rhythm guitar. It’s the kind of effortless gift of music that makes you want to say “thank you” to a CD. Stuart Broomer 

 

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De Portugese jazzscene blijft er een om in de gaten te houden. De afgelopen jaren zijn veel interessante albums uitgebracht en puike concerten gegeven door muzikanten die zich tot de in of rondom hoofdstad Lissabon geconcentreerde jazzscene mogen rekenen. Steeds melden zich nieuwe muzikanten of ontstaan nieuwe combinaties van musici die de scene van vers bloed voorzien en levendig houden. Overigens beperkt een deel van de muzikanten zich niet louter tot het spelen van jazz.

Tot die laatste categorie muzikanten behoort gitarist Jorge Nuno. Hij is de gitarist van de avant-garde psychedelische band Signs of the Silhouette en van de eveneens pychedelische wegen verkennende bands Dead Vortex en Uivo Zebra. Een reis naar Sao Paulo leverde het album Hãl op, waarop de gitarist in duoverband is te horen met de Braziliaanse percussionist Marcio Gibson, en een tweede reis leidde tot het verschijnen van het album Sao Paulo, een samenwerking met drie Braziliaanse muzikanten en de eerste release van de Jorge Nuno Connection, een serie waarin de gitarist samenwerkingen zal aangaan met muzikanten uit verschillende plaatsen op de wereld. Eerder dit jaar was Nuno te horen op een split-tape met het Nederlandse Lärmschutz. De Portugees speelt op die uitgave akoestische gitaar in een intieme setting.

Ook in het No Nation Trio speelt Nuno akoestische gitaar. Zijn kompaan uit Uivo Zebra Hernâni Faustino speelt contrabas en João Valinho is te horen op drums en percussie. Laatstgenoemde en Nuno speelden onlangs nog samen op Anthropic Neglect, een cd van een kwartet dat verder bestaat uit José Lencastre en Felipe Zenícola. Valinho is geïnteresseerd in vrije muziek en sonische exploraties, waarbij zijn spel zich kenmerkt door een soepele experimenteerdrift. Faustino speelde oorspronkelijk basgitaar in alternatieve rockbands, maar is zich gaan toeleggen op geïmproviseerde muziek en de contrabas. Hij speelt onder meer in het RED trio.

De rockachtergrond die in het No Nation Trio aanwezig is, klinkt maar mondjesmaat door op het onlangs verschenen debuutalbum Habitation. Met de kleine bezetting houdt het trio de muziek ook redelijk klein, experimenteel en speels. De experimenteerdrift vindt plaats binnen een geïmproviseerd maar ook enigszins gestructureerd kader, waardoor de improvisaties in een vloeiende omgeving plaatsvinden, een omgeving waarin elk geluid van gelijke importantie is. Zo ontstaat muziek die niet schreeuwend om aandacht vraagt maar die afdwingt met avontuurlijk en inventief spel.

De vier stukken op het album hebben geen titel. In het eerste stuk is Nuno wrijvend en plukkend in de weer, terwijl Faustino een steady en staccato ritme hanteert. Valinho is overal met dekseltjes, snaredrum, belletjes en andere percussieve instrumenten. De snaren van de gitaar worden verderop achter de kam beroerd, waar ze kort bespannen zijn en dus hoge klanken voortbrengen. Faustino handhaaft zijn ritme, maar varieert nu de lengte van zijn tonen. Het percussieve element wordt door zowel Valinho als Nuno verzorgd. Zonder dat sprake is van een stuk op luid volume, is sprake van een behoorlijk energieke eerste improvisatie.

Het tweede stuk is heel anders van aard. Het tempo ligt beduidend lager en er hangt een sombere, ietwat bluesy sfeer. De bas klinkt diep, drums en percussie tikken en tinkelen, terwijl de akoestische gitaar op traditionele wijze wordt bespeeld, akkoorden aanslaand en tokkelend. Gaandeweg slaat de sfeer om, verdwijnt de melancholie en wordt het spel bedrijviger, waarbij vooral Valinho zich laat gelden als onvermoeibaar: elk object in zijn buurt lijkt hij te beroeren met zijn vrije ritmische opvatting. Nuno laat nu ook afgeknepen noten horen en Faustino bespeelt zijn bas met een strijkstok, daarmee licht dissonante harmonieën scheppend. De andere twee muzikanten passen hun spel hierop aan en daardoor keert de melancholieke inslag terug in het stuk.

De derde improvisatie is het langste stuk op Habitation. Het stuk begint zachtjes en spannend, met schurende klanken van cymbalen, een strak en minimaal ritme van de gitaar en een als percussie-instrument gebruikte klankkast van de bas. Verderop worden bekkenslagen en gestreken basklanken toegevoegd, terwijl de gitaar langzaam meer ruimte inneemt, nog steeds op laag volume. Het stuk ontwikkelt zich als een ondergronds broeiend veen: je ziet rook maar de brand zelf verplaatst zich onzichtbaar en gevaarlijk. Het trio vult niet alles in, laat ruimte in zijn muziek en bouwt de spanning tergend langzaam op. De rolverdeling tussen de muzikanten is gelijkwaardig. Zo klinken bijvoorbeeld de strijkende bewegingen van de contrabas even luid als het spel van de gitaar, dat niet zozeer geënt is op melodie maar meer op experiment, ritmiek en intensiteit. De muziek blijft daardoor iets abstracts houden, hoewel het melodische aspect zeker niet helemaal afwezig is. Het zit zelfs in het percussiespel van Valinho, die zijn slagen en de dynamiek afwisselt. De muziek wint gaandeweg aan expressiviteit, maar leidt niet tot een uitslaande brand. Het blijft broeien.

Echt minimaal klinkt No Nation Trio in het laatste stuk. Valinho wrijft met brushes over zijn snare, Nuno produceert slechts een paar hoogstnoodzakelijke noten en Faustino respondeert daarop al even spaarzaam. Met een paar ferme basdrum-stoten wordt een funeral doom-tempo neergelegd. De muzikale invulling wordt langzaam groter, ook als de zware klanken wegvallen, maar de muziek blijft behoedzaam klinken. De spanning kruipt onderhuids en het experiment is aftastend en bedachtzaam onderzoekend. Pas in het laatste gedeelte nemen de bedrijvigheid en het volume toe, maar net als in de vorige improvisatie verkiest het trio ook hier de broeierige sfeer boven een luide climax. Het zorgt ervoor dat de spanning tot de laatste seconde blijft hangen.

Op Habitation stelt ieder van de drie muzikanten zijn kunnen in dienst van de muziek als geheel. Het individuele element is zeker belangrijk en ook duidelijk aanwezig, waarbij de inbreng van eenieder even groot is, maar het totaalplaatje prevaleert. De experimentele en onderzoekende inslag leidt niet tot gepriegel op de vierkante millimeter maar tot vier bewogen en spannende improvisaties van een hecht trio waarvan de muzikanten zich ogenschijnlijk moeiteloos aanpassen aan veranderingen in de muzikale omgeving. Het zijn veranderingen die als vanzelf voortkomen uit het spel van het drietal en die je als luisteraar meevoeren op een enerverende muzikale reis. Gert Derkx 

 

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Wonderful! An amazing free improvised session of a trio of three true masters. The opening “untitled I” with repetitive motifs, led by Hernâni, sounds like free improvised minimal music. The guitar improvises wonderfully on top of the bass lines, supported by the delicate drumming. “untitled 2” follows the similar ideas, but is a sense more melodic. The final bowing bass part is magisterial.

“untitled III” is the longest and the most abstract track, starting with quiet drumming, joined by the bowed double bass and guitar chords, creating wonderful cosmic spatial effects. The final “untitled IV” starts with a simple two notes motif probably of the low registers of the guitar, accompanied by the percussion. The guitar turns to arpeggios, and is joined by the bass. A beautiful, meditative track… Maciej Lewenstein

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Diz-se este trio sem nação, em Inglês, apesar de os seus três elementos, Jorge Nuno, Hernâni Faustino e João Valinho, serem portugueses. Depois vem o título, “Habitation”. Está criado um binómio, o de uma desterritorialização combinada com uma ideia de território, de habitação. A foto na capa, com uma árvore, reforça a ambiguidade. Esta é uma música universal que é também de cá, daqui, do chão que há em todos os chãos do mundo. Música global que é música local, global porque feita de localidades indiferenciadas. Há árvores nela, muitas árvores. A música improvisada é uma música de árvores transcontinentais, sem pátria ou mátria, um Esperanto sonoro, mesmo que esse Esperanto venha em língua inglesa, a língua oficial da comunicação planetária. É um bom princípio, e convém relembrá-lo.

Este disco tem desde logo um “surplus”: dá-nos a oportunidade de ouvir Jorge Nuno com uma guitarra acústica, ele que, nos terrenos do rock psicadélico como nos da livre-improvisação, se tem feito notar com a eléctrica, sempre munida de um uso intensivo de pedais de efeitos. É outro, muito outro, o plano de intervenção que aqui cobre, revelando-nos ideias que não lhe conhecíamos. A combinação com a bateria de Valinho poderia resultar num mínimo denominador comum estabelecido entre ambos, pelo facto de este também vir do rock, e designadamente do black metal: seria uma fixação territorial, mas ainda que tal possa uma vez ou outra ocorrer algo vagamente, também o baterista desnacionaliza. Faustino cola as partes com o seu contrabaixo pelo lado menos óbvio – não aproveita as coincidências, constrói outras quando são maiores as improbabilidades. A consequência é uma música livremente improvisada que contorna as cartilhas desta prática musical. Soa a outra coisa, a uma folk sem bandeira. Ambígua decerto, mas autêntica. Trata-se de uma autenticidade rizomática, a do entrosamento das raízes florestais até se formar um organismo único debaixo da terra que pisamos, numa desterritorialização por via trans-territorial que tudo torna habitável. Rui Eduardo Paes, Jazz.pt

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2020 não terminou sem que a Phonogram Unit, promissora editora nacional associada ao panorama de música livre e criativa, desse mais alguns passos em direcção a um lugar que talvez seja desconhecido pelos próprios membros da chancela, mas que se vai delineando de forma congruente e com lançamentos de qualidade. As melhores jornadas são assim, aliás, flexíveis e sem destino, porém com decisões tomadas com lógica e intencionalidade. E estes mais recentes passos dados pela editora consumaram-se através do lançamento de Habitation, um registo da autoria dos No Nation Trio, grupo que junta Jorge Nuno (guitarra acústica), Hernâni Faustino (contrabaixo) e João Valinho (bateria e percussão), músicos de quem ouvimos falar recentemente em diferentes ocasiões. E como nos encontramos a deambular pelo território da Phonogram Unit, de referir que Hernâni Faustino participou no primeiro lançamento da editora, Vento, enquanto que ouvimos Jorge Nuno e João Valinho no recente Anthropic Neglect, uma edição da Clean Feed Records.

Habitation é um álbum de música acústica totalmente improvisada, com um bonito e apelativo art work, que nos remete para a organicidade da natureza. A definição dos temas é inconclusiva, facto imediatamente revelado pelos títulos dos mesmos (untitled I-IV). Estamos perante músicas sem título, algo deveras esclarecedor da recusa de imposição a priori de uma subjectividade aos mesmos por parte dos seus autores. Desta forma, os No Nation Trio não se comprometem a indicar-nos uma meta, unicamente indiciando-nos com subtiliza os trilhos que a cada faixa vão explorando, impossibilitando, assim, uma única e definitiva interpretação do álbum: cada audição é única, cada navegação uma experiência singular. Este dinamismo é, aliás, tal como a própria natureza, característico do que é aberto, orgânico, vivo, adaptável e metamórfico.

É difícil não sentir, porém, que estamos perante música que expõe uma certa alienação que nós, como humanos, estabelecemos com os ecossistemas do nosso mundo, da nossa habitação. Há por isso uma certa atmosfera inquietante que desponta deste Habitation, que não se deve propriamente à sinistralidade dos sons, mas sim à estranheza de escutarmos algo que, apesar de nos ser familiar, é experienciado num ambiente deslocado. É como se, ao transportar os sons da Terra para as nossas colunas, sentíssemos uma certa distância em relação a esta paisagem sonora, como se fossemos invadidos por algo que nos é exterior, impessoal.

“untitled I” demonstra logo algumas das características que são longitudinais a este trabalho, tais como, por exemplo, o uso de técnicas extensivas (a fricção e rilhar de cordas, percussão e “ritmos” não convencionais, entre outras) e a ausência de uma prevalente estrutura harmónica, rítmica e melódica que sirva de ponto de ancoragem a uma qualquer reminiscência passada. Sons são produzidos com um intuito funcional, com base num impressionismo usado na criação de ambiências das quais imagens gradualmente emergem, como se o trio em uno progressivamente levantasse o véu translúcido que a princípio cobre os temas. Esta primeira faixa é, portanto, curta mas reveladora: Faustino aborda o contrabaixo circularmente com sucessivos ostinatos; Jorge Nuno produz uma miríade de sons que parecem provir de perto de uma das extremidades da sua guitarra – ou do cavalete ou da pestana; Valinho colore o tema com a sua percussão. Em “untitled II” ouve-se Valinho a criar a matriz textural que serve de sustento à faixa. Faustino, a trote, toca notas que ecoam languidamente, para, no final, trocar os dedos pelo arco, produzindo um ambiente drone que convida à imersão. Já Jorge Nuno é o elemento mais livre do trio, quase auto-consciente da abstracção que é imposta, pois sempre que sucumbe a uma ordenação maior, sempre que se sente o iniciar de uma putativa linha melódica, rapidamente degenera novamente para a atonalidade e experimentação. “untitled III” é uma longa meditação em que o trio, ao longo de doze minutos e meio, sem pressa nem celeridade, desenha uma lenta ascensão a um plano superior. Uma faixa perfeita para se fechar os olhos e se ser conduzido através de longas e ecoantes vibrações que ressoam facilmente com o nosso lado mais espiritual – é um tema linear no eixo do tempo, pois adquire força anímica à medida que nele avançamos, mas complexo em todas as outras dimensões, que lhe adicionam elementos de imprevisibilidade e interesse. Por fim, o trio termina esta viagem com “untitled IV”, uma conversa contemplativa com o silêncio, na qual o trio actua como disruptor da ordem que a este está intrínseca, sobrepondo-lhe a sua, que, paradoxalmente, ganha entropia em direcção ao catártico final.

Escalpelizar em demasia Habitation não é senão ir contra a própria génese deste trabalho, visto estarmos perante música que flui livre e espontaneamente em direcção a todo e nenhum lugar. É música para a alma, não para o corpo; é música abstracta e experimental, não formatada e não contida; é música que actua como catalisador para uma viagem interior, essa sim, de ordenação e significação pessoal; música para quem ousa aventurar-se pelo melhor que a música criativa portuguesa tem para oferecer. João Morado 

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Powracamy na Półwysep Iberyjski i lądujemy w świetnie nam znanym studiu nagraniowym Namouche, mieszczącym się w Lizbonie. Na początku stycznia ub.r. spotykamy tam nową formację No Nation Trio. W jej składzie sami nasi dobrzy znajomi: Jorge Nuno – gitara akustyczna, Hernâni Faustino – kontrabas oraz João Valinho – perkusja, instrumenty perkusyjne. Cztery swobodne improwizacje, niespełna 33 minuty.

Habitation, to powolna, chwilami majestatyczna improwizacja, która skupia się na budowaniu napięcia, stanu dramaturgicznego suspensu, tudzież budzeniu prawdziwie niepokojących emocji, czasami całkiem mrocznych. Instrumentem, który stanowi tu o dawkowaniu poszczególnych elementów spektaklu jest masywny kontrabas. Drży, pulsuje, snuje pętle artystycznych wątpliwości. Gdy muzyk sięga po smyczek, narracja zaczyna płynąć bardziej wartkim strumieniem, ale nie jest to taneczna parada, a raczej oczekiwanie na powolną śmierć, tu w jakże pięknym wymiarze brzmieniowym. Swoją opowieść snuje też akustyczna gitara, która mnoży wątki, kłębi się w ciasnym kokonie akustyki, prosi o chwilę uwagi. Pozbawiona wszelkich jazzowych grepsów dodaje całości ponadgatunkowej abstrakcyjności. Wreszcie smakowite perkusjonalia. Są pełne drobiazgowych rozwiązań, małych fraz i zaskakujących ripost. Czasami schowane za potężnym oddechem kontrabasu, czynią niemal same wspaniałości, dodając całej improwizacji sto tysięcy nowych wymiarów i stempli jakości.

Początek płyty zdaje się być delikatnie niemrawy, ale to nade wszystko efekt przyjętej koncepcji dramaturgicznej. Druga improwizacja stawia na szczegóły, ale jeszcze bardziej dosadnie kreuje mroczny klimat. W tej części po raz pierwszy pojawia się smyczek i zaczyna stanowić trwały punkt odniesienia dla gitary i perkusjonalii. Najciekawiej dzieje się w najdłuższej, trzeciej improwizacji – to już prawdziwy dark acoustic resonance! Smyczek schodzi na samo dno, jego dźwięk leje się jak czarna lawa z kompletnie zastygłego wulkanu. Perkusja dobija na kolejny szczyt swoich kompetencji, a gitara stawia na abstrakcję akustycznego post-rocka. Wreszcie finał, który trzyma nas w szponach suspensu przez długie minuty. Powrót smyczka buduje jakość godną poprzedniej części. Na końcu nagrania flow kontrabasu zamienia się w mięsisty dron, który wiedzie improwizację do jej prawdziwego końca, znakowanego niekończącymi się pętlami gitary. Andrzej Nowak

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Depois da auspiciosa estreia com Vento (projecto com Vasco Furtado, Hernâni Faustino e José Lencastre), eis que a Phonogram Unit, entidade editorial gerida por vários músicos, incluindo o trio agora citado e ainda Jorge Nuno e Rodrigo Pinheiro, voltou, na recta final de 2020, à carga com Habitation, trabalho que marca a estreia do No Nation Trio.

E é de rigor acústico que se faz este trio “desterrado” (e será que a recusa de bandeira não é geográfica, antes musical?) formado por Jorge Nuno em guitarra acústica, Hernâni Faustino (hardest working man on double bass business?) em contrabaixo e João Valinho em bateria e percussão. Faz sentido que os três se encontrem em terra de ninguém: Nuno tem pergaminhos numa vertente mais eléctrica, rock e psicadélica; Faustino é nome veterano de referência nos domínios mais livres e avançados dos “nossos” jazz e música improvisada, sempre capaz de alcançar os mais desafiantes terrenos de expressão; e Valinho, mais jovem, tem igualmente mostrado ter considerável elasticidade (ouvimo-lo, só em 2020, em duas edições distintas da Creative Sources de Ernesto Rodrigues e ao lado de José Lencastre, Jorge Nuno e Felipe Zenícola no extraordinário Anthropic Neglect).

Gravado no início do ano passado nos estúdios Namouche, em Lisboa, este é um disco que premeia a escuta atenta: a gravação minuciosa e transparente do enorme Joaquim Monte revela o carácter de cada instrumento em todo o seu natural esplendor – faz parte do recorte conceptual do trio a manutenção dessa “naturalidade”, mantendo os instrumentos arredados de qualquer processamento de sinal, entregues de forma directa à “honestidade” dos microfones. Quatro peças “Untitled”, totalmente improvisadas, evoluem como uma suite concebida em remoinho, progressivamente envolvente, com os instrumentos a saberem deixar os silêncios respirar dentro da cúpula que habitam, instigando delicadas conversas através de cordas friccionadas ou dedilhadas, de peles acariciadas por escovas ou percutidas com baquetas, num bailado de vibrações que evitam convenções harmónicas, que não chegam exactamente a definir-se melódica ou ritmicamente, que preferem a liberdade, a escusa da previsibilidade estruturada e que dessa forma estão sempre receptivas ao inusitado, ao pulo sobre o abismo, ao mergulho mesmo com o desconhecimento do que possa encontrar-se lá no fundo. Não importa, é o acto, não a sua consequência, que é aqui determinante. E que cada um dos músicos tenha a generosidade de escutar os outros e com eles interagir ou a eles reagir é o que nos mantém a atenção presa nos quatro diferentes “espaços” desta “habitação”. Rui Miguel Abreu