Reviews The Book of Spirals

Pedro Carneiro, destacado percussionista ligado às vias eruditas, se une aqui a quatro dos principais nomes da cena free impro portuguesa: Ernesto Rodrigues (viola), Guilherme Rodrigues(violoncelo), Rodrigo Pinheiro (piano) e Hernâni Faustino (baixo acústico). Carneiro esteve no Brasil em algumas oportunidades, sendo a mais recente no ano passado, quando se apresentou com a Orquestra Sinfônica Brasileira (RJ). Essa sua bagagem musical ajuda a fazer com que novos horizontes sonoros se abram nesta gravação realizada em dezembro de 2019 em Algés, onde fica a sede da Orquestra de Câmara Portuguesa, idealizada e comandada por ele. Munido apenas de marimba, Carneiro mostra nas três longas peças (que vão de 13 a 22 minutos) que compõem o álbum também ser um fino improvisador, em um rico diálogo de ideias que faz com que o quinteto exale a precisão de um conjunto de câmara que há muito toca junto. A desafiadora música elaborada pelo quinteto exige uma atenção de quem vai a uma sala de concerto: os detalhes pinçados em cada instrumento, a construção lenta das peças, de rumos nem sempre explícitos, a intromissão ora de uma corda, ora de uma tecla, surgindo e desaparecendo no ar, o silêncio atuante como sexto elemento.  É música para se ouvir com tempo e foco. E se encantar. Fabricio Vieira

 

________________________________

 

“The Book of Spirals” is a masterpiece of their genre: fully free improvised music with plenty of classical chamber music roots, combined with he deep free jazz background. The album was recorded in December 2019 by Pedro Carneiro at Orquestra de Cámara Portuguesa, Algés. Ernesto and Guilherme are joined here by a super-group with Hernâni and Rodrigo. The fifth member is also one of the attraction of this quintet: it is Pedro
Carneiro, playing marimba with quarter tone extension. There are three tracks, and the opening 22 minutes long “swirl” is a kind of highlight. The delicate conversations of the marimba with piano, and with the strings are breathtaking. The second “whirl” is shorter and faster, but created the same incredible atmosphere and mood. The nal highlight is “twirl”, a slow free-improvised ballad, with plenty of lyrical content underlined by Hernâni’s bass bowing, delicate piano lines, and again by absolutely stupendous marimba. Of course, all of this has an essential content of strings played by Ernesto and Guilhermo. Maciej Lewenstein 

 

________________________________

 

Juntar Pedro Carneiro, percussionista de música erudita contemporânea que também improvisa, e Rodrigo Pinheiro, pianista improvisador que tem as suas matrizes de referência tanto no jazz quanto na tradição clássica, só poderia resultar em algo de especial. No caso de “The Book of Spirals” envolvidos estão também três músicos que muito têm feito para esbater fronteiras entre géneros musicais, o violoncelista Guilherme Rodrigues, o violetista Ernesto Rodrigues e o contrabaixista Hernâni Faustino. Os “atractores estranhos” das ordenações do caos que vêm neste disco são, portanto, a marimba de Carneiro (seu principal instrumento) e o piano de Pinheiro, e se é certo que o factor timbre é de suma importância neste contexto, os dois músicos definem a sua interacção no propósito – espontâneo, intuitivo, improvisado, relembre-se – de construir situações harmónicas a partir de impulsos rítmicos, generosamente amplificadas, ou contrariadas, pelas cordas.

Resultado: a música é saltitante, decorre por erupções, soluços. Imaginamos logo toda uma coreografia, porque é disso que se trata, movimento. Às tantas, no longo primeiro tema, “Swirl”, os dois Rodrigues e Faustino ora instalam ambiências em “drone”, ora intervêm com notas longas, transformando o salto em languidez. O que vem a seguir é uma mescla dos dois planos e isso faz com que tudo ganhe uma relevância dramática poucas vezes conseguida quando estamos perante abordagens tão abstractas. O que antes se pressentia confirma-se: o que aqui está é música de dança, mesmo que não tenha sido criada para tal efeito. E das melhores que temos ouvido em muito tempo. A forma como todos estruturam e encenam o que vamos ouvindo é notável e parece, inclusive, pré-determinada. Há crescendos de intensidade que depois se diluem, em manifestações muito físicas de sístole e diástole, e quando se atinge um clímax final, vem a seguir o apaziguamento. “Whirl” segue os mesmos princípios de outro modo, com mais urgência e mais argumentos. Não há qualquer economia de sons, mas nada parece vir a mais. Nos últimos minutos, resolvida a sofreguidão com que tudo acontece, somos também conduzidos para um mar de serenidade. “Twirl” percorre o caminho inverso: contamina a calma com inquietação, desperta os corpos imaginários que habitam a peça e dá-lhes vida. Quem diria que a presente livre-improvisação tem ainda Terpsícore como musa…

Rui Eduardo Paes 

_________________________________

 

“The Book of Spirals” conta-nos uma viagem. Viagem essa que começa de forma meio atribulada entre escadarias e vales. Se ouvirem “swirl” com atenção perceberão o que escrevo. O piano do Rodrigo Pinheiro é indescritivelmente marcante. Ora o degrau está lá subtil e baixinho, ora se demarca entre as cordas dos outros instrumentos e a marimba do Pedro Carneiro. Ora quem pensa que a viagem é linear, numa auto-estrada em velocidade cruzeiro, que se desengane. É para ouvir de headphones, porque cada pormenor tem de entrar bem pelas vias auditivas até que o cérebro processe que é um quinteto e que cada um dá um pouco de si a cada nota. Viajam no mesmo carro, os cinco, mas sem um condutor. São os cinco ao volante, conduzem e deixam-se conduzir. Anseio por ouvir a respiração de um deles. Sinto que uma respiração presente nos levaria para dentro do carro. Mas lá vão eles. Aos sete minutos é como se o carro parasse para saírem e seguirem a pé. Seguem em marcha moderada e mostram-nos o ambiente externo que os rodeia. “Swirl” é isso mesmo! Um rodopio, um turbilhão entre o interior de um carro em andamento e uma caminhada em que nos embrenhamos numa densa e complexa teia de sons, sensações e caminhos. E quando a viagem ainda está a começar pensamos que o destino final só pode ser brilhante. A meio de “swirl” é isso que este disco nos promete. Uma viagem com um destino absolutamente introspetivo. Aquela marimba que nos faz sentir num cenário de suspense, o contrabaixo repentino e brusco que nos leva de um lado para o outro, o piano que nos faz querer subir a escadaria que surge inesperada no caminho, o violoncelo tão subtil que nos apazigua e a viola que nos acompanha entre diálogos nesta longa viagem cheia de curvas e contra-curvas. Em 22 minutos, entrámos e saímos de um carro em andamento, caminhámos num bosque cerrado onde do nada surge uma escadaria e acabámos sentados, ao lado do quinteto, à espera de recuperar a respiração. Do esperado ao inesperado, há tempo para que tudo decorra. Quando entramos em “whril” continuamos atentos à história. Que se adensa, se torna mais embrenhada, intensa e complexa. E claro que se torna mais complexa, estamos a falar de Ernesto Rodrigues, Guilherme Rodrigues, Hernâni Faustino, Rodrigo Pinheiro e Pedro Carneiro. Continuamos num corropio, num turbilhão que se torna de tal forma intenso que para trás ficam todos os lugares por onde já tínhamos passado nesta viagem. Entramos em novos ambientes, novos cenários, que aceleram o ritmo da respiração e nos deixam na dúvida sobre o destino para onde afinal, tão certos, caminhávamos. A viagem não é linear. E sobre isso eu já tinha avisado. E quando fazemos viagens sem destino pré-definido o prazer de acompanhar o quinteto cresce. Quantos de nós não gosta de se colocar num carro com destino incerto e ir experienciando as peripécias que o inesperado nos pode trazer. “Twirl” é o momento em que sabemos que estamos a caminhar para o fim do disco. A forma clara com que se anuncia prepara a nossa mente para não deixar passar um único pormenor. É incrível como nos sentimos a voltar ao início da viagem. Voltamos aos poucos à escadaria que surge escondida após pararmos o carro. Voltamos aos momentos que nos fizeram iniciar a viagem. Deixamos o rodopio de “whirl”, esquecemo-nos que estamos em “twirl” e sentimos que voltamos onde tudo começou – “swirl”. Mas isso pensamos nós, porque aos 15 minutos temos de preparar-nos porque a viagem, que parecia estar a terminar, sofre um rodopio. E quando a viagem acaba, sentimos que afinal não estamos no ponto em que começámos. Nem pensar! Um disco para ouvir atentamente onde os cinco conduzem e são conduzidos e nos levam numa viagem com o tempo certo para nos perdermos entre estradas, bosques, escadarias e afins. Margarida Azevedo